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Um blog, de auto-ajuda, criado para partilhar a minha experiencia de vida e o meu dia-a-dia. Contado na primeira pessoa, enquanto emigrante, na Republica da Irlanda, desde 2005.
Quarta-feira o Tomas tomou o leite quase todo.
Nem insisti numa bolachinha ou numa fatia de pao.
Chegou a casa da avo, disse que tinha fome e foi-lhe ao frigorifico.
Comeu-lhe um iogurte.
Antes do almoco disse-me:''Mama, nao tenho fome, nao quero comer.''
Chegou a sala de jantar e vomitou um pouco do que julgo ser o iogurte.
Deitei-o e dei-lhe um pouco de agua.
Como de manha ele fez questao de acordar o Rafael, acabei por deita-lo tambem.
Adormeceram num abrir e fechar de olhos.
Eram 13.00 horas.
Tinha combinado com uma colega, um cafe, para as 2.00 da tarde.
Cheguei a comentar com a minha mae, que a indisposicao do Tomas, tinha-me trazido a duvida de sair ou nao, mas como quem e mae, percebe que episodios destes, acontecem e fica por isso mesmo, acabei por ir.
As 5.30 da tarde a minha amiga insistiu que fossemos lanchar.
Ai liguei a minha mae a ver como estavam os meninos.
Nao quis ligar antes, com receio que o barulho do telemovel da minha mae, acabasse por os acordar.
Ela disse-me que eles ja tinham acordado e voltado a dormir.
Era estranho, mas como eles estao num ambiente diferente do deles, achei que eles tinham acordado ao fim de uma horita de estarem a dormir e estivessem a dormir novamente. Ela la me disse que tinha dado um pouco de cha ao Tomas e que ele vomitou esse cha.
Mas que ele estava a dormir e o Rafael tambem.
Prometi a minha mae que dai a uma hora estava em casa, sem falta.
Afinal passo o ano inteiro sem tomar um cafe ou um lanche com uma amiga.
Tinha acabado de dar uma trinca num pao com manteiga e a mae da minha amiga de infancia (que mora no andar de baixo da casa onde a minha mae mora) liga-lhe.
Ela atende o telefone sem falar.
Algo que me disse que era para mim.
Perguntei-lhe isso mesmo e ela confirmou.
''Carla vamos embora, era a minha mae a dizer que deu um ataque ao Tomas e eles vao chamar o 112.''
Levantei-me, coloquei o pao na carteira e comecei a correr pelo shopping fora.
Tinha ja os pes com bolhas dos sapatos de tacao alto.
Tirei-os e continuei a correr para o carro.
Estavamos a lanchar a 5 minutos de carro de casa.
Nestas situacoes, qualquer semaforo vermelho, parece demorar uma eternidade a mudar para o verde.
Eram umas 6.20 da tarde.
Chegamos e vi o Rafael no colo da minha mae e ela completamente e descontroladamente em panico.
Fiquei confusa e pensei por breves segundos que o Tomas ja tinha ido para o Hospital e que a minha mae estava com o Rafael a dormir nos bracos.
Foram 2 ou 3 segundos ate perceber que afinal quem tido o ataque foi o Rafael.
A cara dele no colo da minha mae....
Ele estava com uma cara diferente, estranha e chamei-o.
Ele nao reagia, e eu ia insistindo, ao mesmo tempo que ia pegando nele, para o meu colo.
''E a mama!!! Rafa, Rafinha, Rafael....e a mama!!!''
Percebi que ele queria abrir os olhos e nao estava a conseguir.
Nesse momento entrei silenciosamente em panico e nao conseguia ouvir ou perceber nada do que as pessoas iam dizendo.
Estava imensa gente ca fora no patio da casa da minha mae.
Vizinhos que consideramos familia, que cresci com eles e eles me viram crescer.
Pedi a mochila dele e que a minha amiga, ouvisse o que se passou, pela boca da minha mae... eu nao conseguia!
Eu tinha entrado em panico silencioso e ninguem percebeu.
Eu deixei de ouvir as pessoas e so pensava se iria ter tempo de chegar ao Hospital, com o meu filho ainda vivo.
Nao conseguia, por mais que me esforcasse, ouvir a minha mae, a tentar explicar-me o que se passou.
Ouvia uns a dizer que esperasse o 112 chegar e que assim, o menino teria um socorro imediato, pelos medicos do 112...e que dessa forma, ele entraria no Hospital, mais rapidamente.
Esperei uns 2 minutos ou menos e vi o meu filho ficar amarelo e a nao estar NELE.
Pedi a minha amiga para me levar ao Hospital.
(Liliana Monteiro nunca me vou esquecer de como fizeste o teu carro voar, na esperanca de podermos salvar o Rafael. Pois foi exatamente com esta atitude que conduziste. Eu sei!!!)
O meu pai e os meus vizinhos que tenho no coracao como se fossem meus tios, ficaram com o Tomas e com o Joao.
Eu sabia que o Tomas tambem tinha tido uma indisposicao. Mas nem consegui perguntar como ele estava. Vi-o e o meu cerebro automaticamente me disse: ''ok! ele esta ok! pode nao estar bem, mas esta ok!''
Chegamos ao Hospital nuns 5 a 7 minutos.
No caminho ia tentando acordar o Rafael.
Ia repetindo as mesmas palavras ''Rafa, Rafinha, Rafael...e a mama! Olha a mama!!''
Ia vendo se ele respirava.
Os meus olhos iam-se enchendo de lagrimas e falando com Deus.
''Meu Deus, talvez hoje seja a minha vez, de perder o meu filho, e vou chorar muito e o meu peito esta a ser muito pequeno para a dor que estou a sentir e ele ainda nao se foi, mas se tiver que ser Deus, Obrigada por permitires que ele se va... nos meus bracos.''
Ate chegarmos ao Hospital, nao conseguia pensar em muito mais.
Demorei alguns minutos, para conseguir explicar a minha mae como colocar uma fralda branca por fora do carro, em sinal de urgencia, enquanto a Lili usava a buzina e conduzia como nunca.
Ao chegarmos, ao Hospital, corri para o Seguranca: ''AJUDE-ME!!!!! POR FAVOR AJUDE-ME!!! AJUDE-ME!!!!''
Nao sabia o que dizer mais, pois na verdade era so isso que precisava, de alguem que me ajudasse a chegar a um medico.
Ele deixou o seu posto e acompanhou-me imediatamente a uma enfermeira.
Coloquei o meu filho na maca que me indicou e perguntou-me o que tinha tido ele.
''Um ataque, ou aquilo que aparenta ter sido um ataque.''- respondi-lhe.
Continuou com as perguntas, ao mesmo tempo que lhe tirava a febre (39 graus de febre) e lhe tirou em seguida a fralda, colocando um supositorio.
A minha mae ia dando os dados dele na recepcao.
A recepcionista veio perguntar se ele tinha o Cartao Internacional Europeu de Saude.
Sim, tem!!!
Tudo isto, em menos de 15 minutos, desde que sai de casa da minha mae, com ele ao colo.
Foi-me dito nesse instante que achavam que tinha sido um ataque, ou melhor, uma convulsao da febre.
''Ele mexeu intensamente a cabeca, os pes e as maos. E ficou roxo.'' -respondia eu.
Nao me lembrava de mais nada do que a minha mae me tinha dito.
Para eu conseguir memorizar isto, tinha ja feito um esforco enorme, e obrigado a minha mae a repetir, vezes sem conta, pois ja tinha entrado em panico silencioso e estava aparentemente bloqueada.
A medida que as perguntas iam ser colocadas e como ja tinha alcancado o meu objectivo, que foi chegar ao Hospital com o meu filho ainda vivo, na esperanca de ele continuar como tal, comecei entao a chorar.
Senti e pensei ''Eu ja fiz o que pude, os medicos ja estao a fazer, agora e o que Deus quiser.''
A auxiliar encaminhava-nos para as observacoes e eu tive um ataque de choro.
Ao chegar foi-me buscar uma cadeira e um copo com agua.
O Rafael ja estava ''entre nos'' e ja sabia que eu estava ali.
Ainda nao estava bem, mas ja estava ''ali''.
Depois disso foi uma consequencia de procedimentos medicos.
Os medicos la foram fazendo perguntas e os enfermeiros ja estavam a controlar a febre.
Vomitou.
Achei que lhes devia dizer do Tomas, tambem, mesmo correndo o risco, de eles assumirem erradamente, que a base do problema fosse o mesmo.
Eles proprios acabaram por me perguntar se eu queria leva-lo tambem, para o Hospital, mas que tudo indicava que era um gastroentrite viral, e que nesse caso, nao havia muito, que pudessem fazer. Decidi esperar e ir vendo, porque eles nao podiam ve-lo assim que chegasse, o que faria com que o Tomas tivesse que ficar a espera numa sala de espera do Hospital, pela vez dele, como e normal.
Sai do Hospital, 10 horas depois, com uma receita na mao, para na proxima convulsao do Rafael eu estar ja preparada.
Passei mais de metade do tempo descalca. So calcava os sapatos quando tinha que me deslocar.
Ao caminhar com ele no colo, para um taxi, as 4.15 da manha, custou-me imenso, pelas dores que tinha nos pes.
Tinha escolhido um rico dia, para andar com uns sapatos novos de tacao.
Pensei em tira-los novamente, mas o piso era muito incerto, porque a rua estava em obras e tinha receio de me magoar ainda mais.
Por outro lado, nao sabia onde iria levar a porra dos sapatos.
O Rafael ja estava acordado e ao colo, tinha acabado de retirar o cateter da mao, de ter tirado sangue, e nem pensar por o meu bebe no chao.
Na outra levava a mochila dele e a minha carteira.
''Meu Deus, (tornava eu a falar com Ele) OBRIGADA! MUITO OBRIGADA!! OBRIGADA DE CORACAO!!! Saio com o meu filho no colo, deste Hospital onde nao podiamos ter sido melhor atendidos. Onde TODOS foram fantasticos! Levo na carteira a receita do medicamento, para eu estar preparada para a proxima vez, que aconteca. Permitiste que ao ter de acontecer isto, eu estivesse, em Portugal, onde pude contar com o apoio da minha familia e dos meus amigos e onde este Hospital fica a uns miseros minutos de casa. Meu Deus, MUITO OBRIGADA!!! Se tudo isto se tivesse passado na Irlanda, onde nao posso contar com a minha familia, nem os meus amigos, e onde o Hospital fica a 80 km de casa, e o marido provavelmente estaria a 44 km de distancia, a trabalhar, nao faco ideia de como teria sido... Sinto-me uma Abencoada!!!''
Dei sinal ao Sr. do Taxi e entrei.
Lembro-me de que nao tive fome.
Nao pensei em comer ou jantar sequer.
Mas lembro-me de ter pensado que o carregador da bateria do meu telemovel, teria que comecar a andar na minha carteira.
Pensei que tinha dinheiro para o Taxi, para o medicamento e para carregar o telemovel com dinheiro.
Pensei que quando sai de Portugal, ha quase 9 anos, foi exatamente, porque se eu tivesse ficado, eu nao sei se teria ou nao. E que foi exatamente por isso, que emigrei, sem pensar no reverso da medalha.
O Rafael recuperou e esta quase bem, enquanto que o Tomas, quatro dias depois, ainda esta a ter febres de 4 em 4 horas.
Algo me diz, que amanha vai ser o dia da viragem...
Continuo e mais do que nunca, a sentir-me Abencoada!
Beijinhos de Mim
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